O SIMBOLISMO DO FIGO E DA AZEITONA: DISPERSÃO E UNIDADE

Certa vez, fui jantar na casa de um amigo de longa data, padrinho de um dos meus filhos. A esposa dele era uma exímia cozinheira que, na época, cursava Gastronomia, então os jantares eram sempre ótimos. Em um deles, ela me disse: “Italo, nós viajamos e trouxemos azeites. Experimente este azeite grego com um pãozinho”.

Foi ali que eu descobri que azeites gregos são excelentes, uma das melhores coisas que a Grécia produz há milênios. Lá eles têm por tradição a arte do cultivo de olivas, azeitonas. Um tempo depois, assistia a uma aula do Julián Marías na qual ele comenta a origem da Filosofia na Grécia e, de passagem, fala algo como: “É estranho que a Filosofia tenha surgido naquele país pobre, de agricultores, pequeno, onde não havia mais do que quatro gatos pingados que pastoreavam cabras e cultivavam azeitonas”, e a imagem daquele fruto tradicional começou a circular a minha cabeça.

DOIS FRUTOS, DOIS SÍMBOLOS: A AZEITONA E O FIGO

A azeitona é aquela fruta que dá origem ao azeite, e o azeite está presente na nossa cultura para uma série de funções: ele serve para conservar, mas também era utilizado pelos gladiadores, que se besuntavam para que os inimigos não pudessem agarrá-los na arena, a fim de que houvesse menos atrito e eles, então, tivessem mais chances de escapar. O azeite simboliza esse elemento que, ao mesmo tempo, conserva e prepara para a batalha. E, como todos sabem, o azeite vem das azeitonas, das olivas.

Tradicionalmente, há um outro fruto que nos chama muito a atenção e que é simbolicamente associado à azeitona: o figo. É impossível à pessoa que tenha um mínimo de sensibilidade estética e de cultura “escriturística” olhar para um figo e não se lembrar daquela passagem esquisitíssima presente nas Escrituras, no texto sagrado do Ocidente.

(Mais uma vez, os parênteses de sempre: meu caro sujeito que não tem religião, quando eu falar do Cristo, não seja um implicante. A religião é uma prática, e a Sagrada Escritura é um registro simbólico e histórico dos eventos que iluminam a nossa existência. O próprio Jung fez uma análise arquetípica de vários elementos escriturísticos, então, se isso te confortar, entenda as Escrituras como Jung entendeu, mas saiba que haverá uma perda.)

O fato é que o Cristo andava por um caminho à beira da estrada, quando sentiu fome e avistou uma figueira. Ele se aproxima e percebe, porém, que só havia folhas e nenhum figo; então Ele olha para aquilo e diz algo como: “Mas que estranho; essa árvore não está dando frutos”. Ora, uma figueira deveria dar figos, e por isso Ele amaldiçoa aquela árvore, dizendo: “Ninguém mais vai se alimentar de ti”, após o que a figueira seca completamente.

Alguns podem se indagar: “Estranho. Por que o Cristo, generoso como era, não olhou para a figueira e disse: ‘Já que você não está dando frutos, vou te abençoar’, em vez de a amaldiçoar?”.

Ele poderia mesmo ter abençoado a figueira e feito com que ela desse frutos. Não foi o que Ele fez na multiplicação dos pães e dos peixes? Havia poucos peixes e poucos pães, e as pessoas estavam com fome. Ele, portanto, pegou um elemento pobre e o abençoou naquelas cestas, e os frutos brotaram na forma de pão e peixe multiplicados. Por que, então, ele olhou para a figueira e a amaldiçoou, ressecou? Se fizermos uma análise simbólica, factual, entre a figueira e a azeitona, uma ao lado da outra, notaremos uma diferença essencial entre os frutos.

Se você procurar a análise hermenêutica, simbólico-explicativa, que os grandes sujeitos que se debruçaram sobre as Escrituras deram sobre essa passagem da figueira, verá, em regra, apenas um tipo de explicação tradicional: o Cristo amaldiçoou a figueira porque ela não dava frutos, e porque tinha apenas folhagem. A folha é o elemento de aparição, mas é o fruto, de fato, que é a finalidade daquela árvore. É claro, portanto, que se a árvore não dá frutos, ela está na vida a passeio, não fazendo o que tem de ser feito.

Muitos desses sujeitos que interpretaram as Escrituras falaram o seguinte: “Aquela é a imagem de um sujeito que adere à religião, mas fica guardado dentro de si; é a imagem do sujeito que espalhafatosamente exibe coisas sem sentido algum, enquanto esconde para si o essencial”. Em tese, essa é a explicação mais tradicional da passagem.

O Cristo amaldiçoa esse tipo de elemento, de ente, de pessoa que não se revela no seu interior; ou seja, que não dá testemunho do Cristo — mas esta é apenas uma explicação possível.

O fato é que, se colocarmos um figo ao lado de uma azeitona, veremos uma diferença fundamental entre ambos — aqui é que está a raiz simbólica, e é por isso que eu comecei falando dos gregos e dos figos: a azeitona tem uma (e somente uma) semente, ao passo que nem dá para contar quantas sementes existem em um único figo.

Ninguém, ao comer um figo, fica separando as sementinhas da polpa dele. As pessoas simplesmente o comem de uma vez, é como se todos soubessem que não dá para retirar suas sementes. Se tentar, você não conseguirá; todas elas vão se misturar, e você nem distinguirá o que está acontecendo. Acontece que, hoje em dia, as pessoas não têm nenhuma sensibilidade estética ou pensamento simbólico. Elas são incapazes de entender que isso que acabei de descrever está na raiz da possibilidade da Filosofia dos gregos e também na raiz da maldição que o Cristo lança naquela fruta com inúmeras sementes indistintas. Isso é uma imagem, um espelho da nossa atuação diante da vida.

A MALDIÇÃO DA DISPERSÃO E O ESPLENDOR DA UNIDADE

Quando fui morar com o Professor Olavo de Carvalho, em 2007, eu queria aprender certas coisas, e de fato estava interessado nelas. Não tinha ido lá a passeio, mas eu também era um idiota completo, então comecei a lançar-lhe várias perguntas, dia após dia, uma atrás da outra e uma totalmente diferente da outra.

Eventualmente, o Professor Olavo, com muita tranqüilidade, sem nenhum tipo de ofensa ou grosseria, me colocou no meu lugar, dizendo o seguinte: “Italo, um idiota consegue levantar mais questões do que mil sábios são capazes de responder”, como quem diz: “Seu figozinho medíocre, você está amaldiçoado. Vou te ressecar. Há tantas perguntas na sua cabeça que não têm relação entre si e que não vão frutificar, que o melhor é que você fique quieto”. Esse é o símbolo do figo.

Simbolicamente, o figo é um fruto cheio de sementes que você não controla e que estão sempre te dispersando — e por isso é que ele é símbolo para maldição. É um tipo de símbolo que remete a um jeito muito disperso de pensar, de estar na vida; ao contrário da azeitona.

Não é à toa, e muito menos esquisito, que o povo camponês grego de Atenas cultivasse azeitonas por excelência. A azeitona é o símbolo da pergunta perfeita, é o símbolo mesmo da Filosofia; é o símbolo no qual tudo está integrado. Você precisará aproveitar aquele caroço, você não pode se dispersar. Nesse caroço está contida toda a possibilidade de brotar uma nova oliveira, com todo o seu esplendor.

Infelizmente, essa visão simbólica foi perdida hoje em dia. A cultura e a Filosofia gregas nos dão o alvo a que nosso olhar precisa se dirigir; o centro mesmo das perguntas fundamentais, a partir das quais coisas muito importantes brotarão. É como o Julián Marías falava em sua aula: é estranho, e quase que surpreendente, que uma naçãozinha mixuruca, pequenininha, com alguns camponeses e soldadinhos, tenha formado dois terços da cultura Ocidental por 2000, 3000 anos. É um negócio espantoso.

E é extraordinário, esquisitíssimo, que as faculdades de Filosofia não tenham por foco a formação dos seus alunos nessa cultura grega, ao menos nos primeiros dois, três anos. O que é a Filosofia? O que a Filosofia tem para nos indicar? Por que a Filosofia pode nos nutrir? Como a Filosofia pode abrir nossos olhos? Como a Filosofia pode, de fato, acrescentar algo ao nosso olhar, de modo que possamos olhar para o ser humano no seu modo mais pleno, mais amplo?

Há 2400 anos a cultura grega nos informa; ainda hoje pensamos em categorias gregas. Se temos a pretensão real de entender a alma humana, de entender Filosofia, de entender o que é o homem, o que é a natureza, o que é este lugar no qual o homem está inserido, então, necessariamente, teremos que voltar nossa atenção para a cultura grega em algum momento.

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