O QUE É UM CONHECIMENTO BEM FUNDAMENTADO?

Existe um certo tipo de vaidade que, embora acometa especialmente aos intelectuais, não se limita aos círculos acadêmicos ou supostamente devotados ao conhecimento. Esse vício, graças aos muitos canais de sua propagação, está presente do porteiro do prédio ao dono da cobertura; está na boca de médicos, professores, motoristas de Uber: é a vaidade do sujeito de mentalidade cientificista, que aprendeu a exigir provas científicas para tudo e jura orientar suas crenças e decisões pela “ciência”. 

De fato, o cientificismo penetrou até às entranhas do nosso tempo, e tem transformado o uso do mero bom senso em um espetáculo cada vez mais raro. Na cabeça do indivíduo cientificista, aqueles versos de Adélia Prado erigiram-se em ideal de vida:

“De vez em quando Deus me tira a poesia.

Olho pedra, vejo pedra mesmo.” 

Os versos tratam de uma incapacidade de ver para além da matéria, uma condição terrível para o ser humano, mas cultuada no meio científico e incorporada, como cacoete mental, até mesmo por quem não tem parte nenhuma com a academia. Em certas plagas, o cientificismo é o ar que se respira.

Tive uma demonstração disso tempos atrás, quando recebi, na caixinha do Instagram, um pedido curioso: pediram-me um artigo científico que comprovasse o benefício de dar esmola para mendigo.

Vá lá, talvez o sujeito estivesse pesquisando academicamente a questão, mas o mais provável é que esteja enganado o bastante para crer que deve basear todas as suas decisões em artigos científicos. O fato é que é justamente essa mentalidade cientificista que tem criado as maiores aberrações sociais e mentais, que tem levado os programas de governo de alguns países a cometer crimes e barbáries.

Quando o sujeito pede explicação científica para toda e qualquer coisa, ele está apostando na desconfiança. Não confia mais: não confia no testemunho de ninguém nem confia nos seus próprios olhos. E assim o sujeito perde todo o senso de orientação do que é ser humano, pois o homem não se orienta no mundo a partir de provas lógicas. Há duas fontes para a nossa orientação no mundo: o testemunho solitário e o testemunho dos outros. 

Você não confia “na ciência”, mas no testemunho do cientista

O sujeito cientificista crê piamente que existe algo acima de qualquer suspeita chamado “a ciência”. A verdade, no entanto, é que a própria base do conhecimento científico é a fé. Primeiro precisamos confiar no testemunho de um cientista, para depois verificar suas teorias. O que a mentalidade cientificista nem desconfia é que a maioria dos experimentos científicos não é sequer demonstrada: as pessoas simplesmente crêem que o cientista está falando a verdade. Nem todos os experimentos são replicáveis, e, daqueles que o são, nem todos de fato são replicados. Então, o testemunho solitário do sujeito é o que garante a continuidade da prova lógica.

Einstein, quando formulou a teoria da relatividade, não tinha prova do que estava propondo. A idéia primeiro apareceu em sua cabeça, depois ele comunicou aos outros a sua teoria; as pessoas confiaram nele, e só depois buscaram confirmar o que estava dizendo. Portanto, sempre haverá o elemento da crença e da confiança, pois a confiança é o que estrutura o mundo

O maior mentiroso da terra não é mentiroso o tempo todo; só é mentiroso em poucos segundos do seu dia. Ele tem de falar a verdade em algum momento, porque a verdade é o que o orienta. Quando o mentiroso diz: “Agora vou enganar alguém”, ele está dizendo a verdade. Ele se baseia em uma série de verdades e conhecimentos verdadeiros para perpetrar mesmo a menor das mentiras.

O sujeito que apela para o cientificismo, pensando que tudo deve ser provado logicamente, não está instalado na vida humana. Simplesmente não podemos provar a maior parte das coisas que conhecemos. Prove-me que você conhece a sua mãe. Prove-me que você ama o seu filho. Prove-me que você é fiel no seu casamento. Que loucura seria viver exigindo provas lógicas para tudo! 

Se o sujeito quer mesmo saber se funciona esse negócio de dar esmola para mendigo, deveria se submeter à experiência por uma semana e observar em si os efeitos. Por que seria necessário dar uma prova científica de que fazer isso é bom? 

Existem elementos de orientação no mundo muito mais fortes do que a prova científica, como, por exemplo, a autoridade. Uma criança não deve exigir dos pais que provem o benefício das ordens dadas. Imagine uma mãe que fale para um garoto de 8 anos que ele não pode descer para o playground sozinho, ao que o menino responde: “Me dê uma prova científica de que não posso descer”. Não é preciso prova científica, porque aqui estamos diante da autoridade de uma mãe, e a autoridade do sujeito que tem ascendência sobre os outros é muito superior a uma prova científica. Ou seja, a confiança no testemunho dos outros e nos nossos próprios olhos é o que estrutura a vida neste mundo.

A pessoa que demanda provas para tudo transfere para outrem — outro grupo — a autoridade sobre a verdade. Ela perde a capacidade de acreditar no que acontece no mundo objetivo, perde o senso de orientação, perde a força do olho; vai perdendo, enfim, a condição fundamental para que estejamos bem instalados na realidade e sejamos felizes. Para evitar que isso aconteça, o exercício é olhar para as coisas que acontecem e ficar calmo, instalado na realidade. É calar essa voz maligna que fica botando dúvida em tudo.

A grande mentira de Matrix

Matrix pode até ser um filme bem produzido, o Keanu Reeves pode ser excelente, mas a idéia que há por trás daquilo é imprestável. Ali há toda uma realidade absolutamente duvidosa; não sabemos se é realidade ou se foi o arquiteto que construiu aquele mundo, podendo mudá-lo a qualquer momento. Isso só acontece no filme Matrix, pois a verdade do mundo não é assim. As coisas do mundo são estáveis. O amor está de pé, a verdade está de pé, a confiança dos homens está de pé; a montanha na nossa frente, o rio que corre, o ar que passa pelo nosso rosto, tudo isso existe, tudo isso está de pé. 

A confiança é uma das grandes forças do mundo, e não é possível fugir de modo absoluto da verdade. A verdade é o domínio da realidade, e vice-versa. Mesmo quando contamos uma mentira, é 1% de mentira apoiado em 99% de verdade. 

Você acorda e continua sendo você. Existe algo que nunca muda. Há um fundo de verdade, a identidade, que está sempre de pé. Você acorda para um novo dia porque você continua sendo você de verdade, até à morte, até à eternidade.

Dito de outro modo, todo relacionamento é baseado na verdade, mesmo que o sujeito seja mentiroso, mesmo que a mulher seja uma traidora. Há sempre um fundo de verdade no qual podemos mergulhar e resgatar os elementos de novo para retomar a confiança. Sempre! Sempre é possível! Mesmo que você não acredite, isso é o que estrutura o mundo. O amor e a verdade estruturam o mundo, é onde estamos instalados. Não é possível estarmos instalados na mentira. Mesmo que um sujeito seja mentiroso, ele é mentiroso a partir de um fundo de verdade, que é a identidade da vida dele. Então, sempre há esperança, sempre é possível acreditar no filho, no marido, na mulher, no patrão.

É preciso nos acostumarmos a olhar para o domínio da verdade e declarar todo santo dia: “Obrigado, Deus, eu sou eu e não mudo”. Você continua sendo você e não muda. Não há nada mais maravilhoso do que tomar posse dessa realidade. E como saber se estamos mesmo instalados na realidade? Quando perdemos o fetiche maligno da tal “auto-imagem”

Auto-imagem, arremedo de eu

A auto-imagem é um fetiche, uma criação mental sobre quem eu penso que eu sou. Quem se apega à auto-imagem vai necessariamente sofrer, porque nossa mente é frágil. Soberana não é a idéia que eu tenho sobre mim; soberana é a realidade. O que você precisa não é de uma auto-imagem, mas do centro do seu coração, o centro do seu ser. E como se chega a isso? Declarando todo santo dia: “Estou instalado na realidade e no mundo; as coisas não mudam; eu continuo sendo eu, independentemente de qualquer acontecimento; minha mulher continua sendo minha mulher, meu filho continua sendo meu filho, minha mãe continua sendo minha mãe”, e por aí vai. 

Isso é um exercício de mudança de mentalidade, dessa imbecil mentalidade cientificista que vem desde René Descartes (“penso, logo existo”). Ora, você existe muito antes de pensar! O pensamento é uma atividade da existência. Acaso as coisas que não pensam não existem? Uma impressora não pensa, então ela não existe? Esse é o império do pensamento sobre a realidade. Mas a realidade é maciça e nos estrutura; ela é a verdade, e é nela que estamos instalados.

Portanto, confesse que as coisas são como são. O verdadeiro método de conhecimento não é a prova lógica, mas a confissão: é confessar quem você é, o que você sabe e o que não sabe. Quando a prova lógica passa a ser o grande método de conhecimento, aí as aberrações começam: você quer a prova lógica de tudo. Na verdade, você não quer a prova lógica, mas um grupo validando aquele conhecimento que você nem conferiu. A maioria das pessoas que demanda prova lógica jamais estudou lógica, não sabe sequer o que é um silogismo. Não leu Jacques Maritain, não leu os grandes lógicos. 

Ora, você conhece testemunhando, e a prova lógica é só uma troca social. O sujeito que viu uma bolsa sendo roubada no sinal sabe do roubo, mas, para o juiz, ele tem de dar provas, porque o juiz não viu nada e precisa acreditar no testemunho do outro. Porém, o conhecimento genuíno é você quem vai ter; mas você tem de admitir o que é a verdade, tem de estar instalado na verdade.

A confiança sempre pode ser restabelecida, desde que você quebre a bobagem da auto-imagem. Nutrir uma auto-imagem é prestar contas a algo que foi criado pela mente. A custo de quê? Para ficar bonito na fita, você perderá a capacidade de confissão da verdade que está no seu coração. Isso é a receita da tristeza.

Portanto, sempre podemos voltar à confiança e ao amor, desde que você se livre da auto-imagem e passe a confessar o que está diante dos seus olhos.  Enquanto estivermos vivos, podemos fazer isso. Esse é o fundamento da virtude da esperança

As pessoas andam desesperançosas, com vazio, tédio, náusea; andam pesadas da sua existência. Essa é a consequência de se apostar tudo na auto-imagem e na prova lógica. O sujeito perde a noção da confissão e da verdade que sustenta toda a existência. Sobrará apenas desespero, porque o acesso à verdade foi bloqueado. Você pode se submeter ao império da mente, ao império do cogito — “penso, logo existo” —, mas o pensamento é uma porcaria, pois muda de figura a todo instante. Então, se o pensamento é o fundamento da existência, a existência é uma porcaria. Schelling disse algo muito verdadeiro sobre Descartes: com ele, a filosofia voltou para o nível pueril. Ele era uma criança pensando em filosofia; era um gênio matemático e um retardado filosófico. 

O que temos é o império da realidade: a realidade existe, você permanece sendo você, acorda sendo você. Você tem de entender que isso funciona, tem de entender que você não muda e que a verdade permanece. A verdade e o amor sustentam tudo.

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