OS TEMPERAMENTOS E OS VÍCIOS DE CADA UM

O assunto é vasto e, por mais que eu já o tenha abordado em cursos, livros e palestras, a demanda por ele parece só aumentar. Todo dia aparece mais gente querendo aprender sobre os temperamentos, pelos mais diversos motivos: melhorar sua performance no trabalho, aperfeiçoar sua capacidade de relacionamento, poder ajudar os filhos a superar dificuldades específicas, compreender melhor o cônjuge, enfim. Por isso, nunca é demais voltar ao princípio, ao bê-a-bá da coisa. É isso que vou fazer neste artigo, mas indo um pouco mais além: vamos conhecer dois critérios para a identificação de cada temperamento e que vícios tendem a acometer mais especificamente cada um deles. E então, no próximo artigo, abordarei o que se pode fazer concretamente, em cada caso, para ajustar essas inclinações e colocar o indivíduo em um caminho mais seguro para a realização de suas potencialidades.

Dois critérios que você deve observar

“Minha esposa se esquece de tudo, vive no mundo da lua”, “Meu marido é quieto demais”, “Meu filho fala alto e vive gritando, não é como aquele anjinho, filho do fulano, que é quieto e obediente”, “O meu colega tem pavio curto, não posso falar nada que ele já explode”. Ora, se você tiver uma ferramenta que o ajude a compreender os tipos humanos, sua capacidade de se relacionar se ampliará enormemente, porque você passará a enxergar, no comportamento das pessoas à sua volta, traços que não dependem delas e que são, na maioria das vezes, pontos cegos até para a própria pessoa. 

Ao conhecer os temperamentos, o “jeito” do outro deixa de ser uma completa incógnita. Seus relacionamentos melhoram, porque você sabe mais ou menos o que esperar, sabe que a pessoa não está agindo de propósito para contrariá-lo. Ao sair de uma postura reativa e passar para um lugar de compreensão, você se capacita, inclusive, para ajudar essa pessoa, levando-a a ver coisas que antes não via.

Apesar de ser quase tão antigo quanto a filosofia, os temperamentos são um assunto com escassas referências bibliográficas. Há poucos livros, poucos tratados que falam especificamente sobre o tema. Por isso, vou começar fazendo uma pequena introdução, já bastante prática: são quatro os temperamentos. 

Por que quatro? Por que não são oito ou doze? Na verdade, os temperamentos podem ser quantos você quiser, assim como as direções do espaço. Do ponto onde você está, você pode se mover um pouco mais para a esquerda, um pouco mais para a direita,  um pouco para a frente ou para trás. Existem referenciais muito claros: norte, sul, leste e oeste. Uma vez que eu tenha conhecimento desses referenciais, posso pegar 20° ao sul e ao leste e seguir meu caminho. A ciência dos temperamentos funciona mais ou menos assim também. Os quatro temperamentos são como quatro balizas por meio das quais conseguimos nos orientar muito melhor, tanto no caminho do autoconhecimento, quanto no aperfeiçoamento do trato com as pessoas do nosso convívio.

Uma forma simples de começar a pensar sobre os temperamentos é imaginando duas dimensões: velocidade de reação (se somos rápidos, explosivos, ou lentos) e tempo de permanência das nossas impressões (se remoemos as coisas que os outros nos falam ou fazem conosco, ou, pelo contrário, se nossas impressões são fugazes). 

Se você reage mais prontamente, se costuma tomar a dianteira ou ser o primeiro a falar, temos alguns indicativos de que você pode ser sangüíneo ou colérico. Se você é uma pessoa que percebe o que está acontecendo em volta sem que isso o afete instantaneamente, temos um indicativo de que você pode ser melancólico ou fleumático. (Muita gente acha que eu sou colérico, porque me viu xingando um ou outro na internet. Mas eu garanto que esses xingamentos são calculados. Depois que as coisas chegam até mim, ainda demora um tempo até que eu reaja a elas. Meu temperamento é fleumático.)

Além disso, você pode ter uma reação interior mais superficial, com menos duração, ou uma reação interior com mais duração. O primeiro caso é o dos sangüíneos e dos fleumáticos; o segundo, dos coléricos e dos melancólicos. É assim que fazemos a distribuição: 

  • quem reage rapidamente, mas de modo superficial, é sangüíneo;
  • quem reage rapidamente e de modo duradouro, colérico;
  • quem é lento e superficial nas reações, fleumático;
  • quem é lento e profundo, melancólico

Essas categorias já nos são muito úteis, esclarecendo grande parte dos problemas em relação ao temperamento. Há muita serventia em saber qual é o seu temperamento ou o da pessoa com quem você convive. Desde logo, porque o temperamento não passa pela nossa vontade.

Muitas características que de algum modo nos constituem não passam pela nossa vontade, como a nossa altura ou a nossa língua nativa. À minha altura eu não consigo acrescentar um centímetro, mas eu posso, pela minha vontade, me tornar mais ágil; posso criar mecanismos, por assim dizer, compensatórios. Da mesma forma, posso aprender outros idiomas além da minha língua nativa. Portanto, nascemos com algumas características, mas a elas podemos acrescentar mais qualidades. 

O temperamento é muito semelhante a isso tudo. Eu nasço com um temperamento, mas ele não pode ser justificativa para minha falta de educação, minha falta de compromisso ou meus desvios morais. Se há alguma predominância natural de certos vícios em relação aos temperamentos, isso não pode ser usado como desculpa. É importante saber que certas coisas não vão mudar. E não é que seja bom nem mau — há um monte de coisa na vida que é indiferente. A nossa consciência reta aprova o bom, rejeita o mau e permite o indiferente. 

Se você conhece o temperamento do outro, percebe que muita coisa que ele faz não é por maldade, não é para implicar com você. Por exemplo, pode ser que eu conviva com alguém no trabalho que seja um pouco mais lento que eu na proposição de temas e na proposição de soluções. Isso não significa que a pessoa não esteja se importando com a empresa. Você tem de reparar em outros domínios da vida dela: se ela age assim no trabalho e também na família, você começa a perceber que aquilo não é nada pessoal, é apenas um modo de funcionar dessa pessoa. Por outro lado, você pode notar que, quando ela toma uma coisa para si, quando decide fazer algo, ninguém a segura, ela vai mais fundo que você. Estamos aqui vendo a relação de um sangüíneo com um melancólico, ou seja, a relação de alguém que reage rapidamente, mas sem persistência na proposição daquela tarefa, com alguém que, apesar de reagir de modo mais lento, quando assume a tarefa como sua, vai até o fim.

Esse olhar melhora a nossa relação com as outras pessoas. Com ele, passamos a julgar menos e nos tornamos imediatamente mais pacientes. A paciência é fruto do amor, e para amar precisamos conhecer. Por isso, costumo chamar a ciência dos temperamentos de ciência do Amor, porque ela trata da base do amor — não um amor elevado, alto, mas um amor de início: você começa a amar mesmo os defeitos do outro, porque várias coisas que denominamos como defeitos são apenas características. Assim, é natural que a paciência comece a aparecer dentro de você, pois você passa a conhecer melhor o seu filho, o seu marido, a sua esposa. Então, se um deles é sangüíneo, não é que ele não persista nas coisas por má vontade ou por falta de compromisso; essa é uma coisa contra a qual ele terá de lutar sempre. Assim como o fleumático vai lutar sempre para reagir de modo mais rápido às decisões da vida que exigem mais agilidade e mais presteza.

Não entenda isso como o assentimento de uma fatalidade, de algo impossível de mudar. Entender o temperamento de alguém é entender o seu ponto de partida, e não o seu destino. Conhecendo os temperamentos, aprendemos a respeitar melhor a liberdade do outro. E a liberdade é a capacidade de escolher o melhor, a capacidade de escolher o bem, de modo que respeitar a liberdade do outro é se colocar como um guia gentil e dócil a fim de acompanhá-lo pelo melhor caminho. Esse é o mecanismo do Amor. Então, quando declaro que alguém é colérico, não estou simplesmente deixando-o à mercê de sua ira ou do seu gênio explosivo; estou me colocando à disposição para ajudá-lo a se desenvolver, a controlar os impulsos. Essa é a essência do amor. Os temperamentos são a mais simples ferramenta de compreensão do outro, sem a qual fica muito difícil sabermos o que é ser gente.

vícios vs. temperamentos

 A partir de agora, vamos aprofundar um pouco mais o tema. 

Ninguém é ruim de um modo totalmente inovador. Desde Adão, ninguém inventa uma maldade completamente original; todos cometemos os mesmos erros. E, além da diferença de escala de uma pessoa para outra, alguns tendem a manifestar mais um vício do que outro. 

Talvez vocês já tenham ouvido falar dos sete pecados capitais. Na simbólica, sempre que nos deparamos com uma ordem de sete elementos, o que se encontra no centro e o que se encontra no fim são os pontos mais importantes, como se fossem combustíveis que alimentam todos os outros. Dito de outro modo, o quarto e o sétimo vícios têm uma prevalência em todos nós. Todos temos o quarto e o sétimo vícios, de modo que, se um deles está muito alto, os outros vícios também estarão. Mas ainda sobraram cinco vícios. E aqui entra a ferramenta dos temperamentos. 

O sangüíneo tem mais facilidade ou maior tendência a ter os dois primeiros vícios; o fleumático, o terceiro vício; o colérico, o quinto vício; o melancólico, o sexto. Agora vamos dar nome às coisas.

Quais são os sete vícios? O primeiro vício chama-se luxúria e consiste em ceder muito rapidamente à sensibilidade do mundo, ao brilho, ao gosto, ao cheiro das coisas. O segundo, que de certo modo é muito semelhante ao primeiro, é a gula, que é colocar para dentro mais do que cabe — como eu estou achando o mundo muito bom, eu o estou colocando para dentro, estou me confundindo com ele. Luxúria e gula são, portanto, vícios com os quais o sangüíneo precisa tomar muito cuidado. Em geral, o sangüíneo tem dificuldade de progredir na vida — seja profissional, familiar ou espiritualmente — porque ele é muito disperso pelas coisas do mundo.

Se o seu filho é sangüíneo e não está progredindo na escola, por exemplo, você pode perceber que a sua capacidade de concentração, de se manter em uma atividade, varia muito em função da fome que está sentindo, da roupa que está usando, do barulho do ambiente etc. Ele se distrai mais com esses elementos porque se confunde mais com o mundo exterior. Sabendo disso, podemos aplicar alguns remédios comportamentais para ordenar esse temperamento e tentar diminuir as dificuldades e os vícios provenientes dele, ao mesmo tempo em que aprimoramos aquilo que neles é forte. 

O sangüíneo é alegre, divertido, porque ele é amigo do mundo — o mundo para ele não é estranho. Estar no mundo, para o sangüíneo, não é uma dificuldade. Assim, o sangüíneo vai ter facilidade de resolver problemas materiais: se quebrou, conserta; se perdeu, acha. Essa afinidade com o mundo, enquanto dados do sensível, no entanto, pode torná-los muito sensuais e gulosos.

O terceiro vício é a avareza, e o temperamento fleumático é o mais sensível a ele. Por reagir de modo mais lento e não ter a capacidade natural de fazer com que as impressões permaneçam nele, é como se o mundo para o fleumático entrasse e logo saísse. Ele é como a água. Se você joga um objeto na água e o retira em seguida, esse objeto não vai deixar nenhuma marca de que esteve ali. A água não tem a capacidade de reter o que o mundo deu para ela. O fleumático tem uma tendência maior à avareza porque, como o mundo não lhe deixa marcas, as coisas para ele evaporam e somem. Por isso, quando ganha algo, ele não vai querer largar aquilo nunca mais. Ele vai se apegar àquilo que não sumiu de uma vez. E é propriamente a isto que o vício da avareza se refere: o sujeito adquire o medo de perder as coisas. 

Ao contrário do que muitos imaginam, não é a preguiça o maior vício do fleumático. A preguiça está presente para todos: ela é como um sol maligno que aquece os outros vícios. Quanto mais preguiçoso um sujeito é, mais longe ele está da perfeição da conduta, da perfeição do amor. Amar pede esforço. Amar é servir aos outros. O amor exige prontidão e presteza. The readiness is all, diria Shakespeare.

O quinto vício é a ira, cuja suscetibilidade é mais comum ao temperamento colérico. A ira vem da tentação de querer atacar primeiro antes de ser atacado, porque, se eu não reagir de imediato ao mundo, ele me marca antes. O símbolo do colérico é o fogo. E o fogo tende a se espalhar, a consumir tudo o que está em volta. Da mesma forma, um colérico que não estiver atento às suas tendências pode se tornar uma pessoa descontrolada. 

Não é que o colérico seja uma pessoa ruim. Ninguém é bom ou mau por conta do temperamento, e sim por conta das escolhas que faz na vida, das decisões que toma diante das circunstâncias. Muita gente me pergunta sobre defeito dominante. Se você conhece o seu temperamento, então provavelmente já tem uma pista de qual seria o seu defeito dominante. Você já sabe que em todos nós predominam a preguiça e a soberba, o quarto e o sétimo vícios. Disse o místico que a soberba só vai embora 48 horas depois que morremos. Ou seja, até no último segundo da nossa vida, na cama do hospital, estamos sujeitos a agir com soberba, talvez simulando alguma nobreza ou piedade diante das testemunhas.

O sexto vício, que é mais natural ao melancólico, é a inveja. Para que uma inveja seja verdadeira, é necessária a observação. Você precisa ter uma capacidade de observar uma diferença específica entre a sua conduta e a conduta do outro, entre os seus bens e os bens do outro. Uma pessoa distraída não vai ter uma tendência tão grande à inveja porque ela não repara muito nessas coisas. Podemos notar que nos sangüíneos, por exemplo, a inveja aparece de um modo muito superficial. Isso acontece porque ter inveja requer uma certa atenção da diferença entre a sua virtude moral e a virtude moral do outro. Se você notou que não é uma pessoa tão engraçada quanto aquele outro sujeito, que é a alma da festa, e se essa impressão ficou guardada dentro de si, então aí temos um cenário propício para o surgimento da inveja. O movimento interior foi o seguinte: a pessoa captou uma impressão sobre si, que ela tirou do mundo lá fora, guardou-a e começou a conversar interiormente com outras impressões já acumuladas. Nesse sentido, a inveja pode ter como objeto tanto os bens intrínsecos, como a inteligência ou a alegria alheias, quanto os bens extrínsecos, como o dinheiro. O melancólico tende a prestar mais atenção aos bens intrínsecos.

De qualquer forma, temperamento não é amortecedor da consciência. Todos temos um temperamento e, ao mesmo tempo, todos nascemos para a grandeza, para os bens mais altos, para a magnanimidade. Se a pessoa se escora no temperamento para não melhorar, ela não entendeu o que é o temperamento. Mas, se o temperamento não determina como seremos na vida em concreto, sem dúvida ele exigirá de nós alguma sagacidade, alguma estratégia para que façamos progressos na vida espiritual, na vida material, na vida intelectual, na vida afetiva. A depender do temperamento, você terá dificuldades específicas, e precisará de ferramentas específicas para lidar com elas.

Mas esse é o assunto do nosso próximo artigo.

No dia 27 de março, às 21h, eu vou fazer uma live especial explicando tudo sobre o meu mais novo projeto — 4 Temperamentos: Real Life. Nessa live, você vai aprender como aplicar a ciência dos 4T para resolver problemas concretos em quatro áreas da sua vida: Saúde mental, Família, filhos e relacionamentos, Trabalho e vocação, Religião e espiritualidade.

Para assistir, basta se inscrever gratuitamente aqui!
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