MEDITAÇÕES SOBRE A “CRIANÇA INTERIOR”

Desde que comecei esse trabalho na internet, tenho recebido centenas e centenas de depoimentos de jovens e adolescentes — pessoas entre treze e dezoito anos, mais ou menos – relatando as mudanças que experimentaram por influência do que faço aqui. Comecei a ler esses depoimentos e fiquei realmente emocionado.

São pessoas que relatam ter adquirido novamente o sentido da vida, e muitas que desistiram de cometer suicídio, depois que passaram a ouvir algumas verdades incômodas ditas por mim (incômodas, mas cheias de carinho e amor). Um dos jovens que me escreveram chegou a confessar: “Italo, eu já não sorria fazia dois anos, mas agora voltei a sorrir e a olhar a vida de outra forma”.

Esses relatos começaram a aparecer de modo muito generoso e espontâneo, lotando o meu direct do Instagram – acabei recortando-os e postando nos Stories do Instagram.

Com isso, o pessoal mais velho, de trinta anos para cima, começou a ler os testemunhos dos adolescentes e a me mandar os seus relatos: “Italo, eu sabia que você transformava a vida de nós, adultos, mas somos burro-velho; não sabia que você transformava a vida dessa molecada toda também. Agora você é ídolo teen?”. 

O posto de ídolo teen, deixo-o para outras pessoas. Eu sou o pai deles, o irmão mais velho. Sou casado e tenho sete filhos. Comigo, a história é outra, e é por isso que os adolescentes sentem o que sentem ao me acompanhar: eles sabem que os amo.

Não quero ser o amigão deles e deixar o meu cabelo colorido. Não quero lhes dizer que são o máximo. Eles não são o máximo — e, ao se olharem no espelho, vêem essa realidade.

É assim que, na clínica e em qualquer outro lugar, eu sempre me apresentei diante desses jovens: feito um pai que os ama e acredita em sua vida, mas que não fica jogando confete, porque eles não merecem (e eles sabem disso).

Foram oito anos de consultório, atendendo a muitos e muitos pacientes adolescentes. Eram adolescentes desacreditados por todos; ninguém mais achava que tinham solução – por estarem dando problemas, estarem desesperançosos, serem preguiçosos ou, até mesmo, por terem certas pretensões de vida (intelectuais, espirituais e de trabalho) incompreendidas pelos familiares. Geralmente, a família foca apenas na necessidade de tirar boas notas na escola. Sim, estão certos: os adolescentes têm de tirar notas boas no colégio, mas a vida não se resume a isso, obviamente.

Sei que dentro dos adolescentes, por mais que as pessoas os achem idiotas (e com razão), há ideais nobres e magnânimos. E eles precisam das ferramentas necessárias para tocar suas vidas.

Eu, pessoalmente, estou em uma fronteira curiosa: já não sou um adolescente, mas também não sou um velho. Lembro-me bem, ainda, de como é a vida na adolescência. Soma-se a isso o fato de que atendi uma penca de gente ao longo desses oito anos, sentado em um consultório, ouvindo pai e mãe, entrando em contato com os professores dos meus jovens pacientes – chegando, inclusive, a ir aos colégios dar palestras. (Não sei se vocês sabem, mas grande parte do incentivo para essa minha atuação pública começou com uma temporada de palestras que dei em um colégio, falando aos pais sobre temperamentos, relações entre pais e filhos, diferenças entre meninos e meninas etc. Essas palestras pegavam fogo, o pessoal não me deixava ir embora, querendo fazer perguntas, perguntas e mais perguntas, de modo que a coisa foi rendendo e andando aos poucos). 

HONRAR O “ADULTO INTERIOR”

Disso tudo, nasceram as lives que diariamente eu fazia no Youtube e, posteriormente, o Guerrilha Way — sem dúvida, o conteúdo mais importante para o amadurecimento pessoal já produzido no Brasil.

Um pequeno erro no princípio torna-se um grande erro no fim. Quem diz isso não sou eu, mas Santo Tomás de Aquino, em “Ente e Essência”, relembrando a filosofia grega.

Conseguimos entender isso tranqüilamente. Se um navio sai do Rio de Janeiro com destino a Lisboa, mas erra em meio grau na rota, acaba parando lá na ponta da África.

O adolescente está no período fundamental da vida, de ajuste biográfico, no período dos treze aos dezoito anos. Por isso, quero já deixar a primeira lição do dia, que é o dever de matar essa história de “criança interior” e honrar, em lugar dela, o “adulto interior”. Essa história de “criança interior” é um câncer existencial e cognitivo que infantiliza a pessoa para sempre. Eu não trato adolescentes como criancinhas; o mundo já faz isso, exigindo deles um punhado de coisas inúteis e não lhes dando responsabilidade sobre o que já deviam ter responsabilidade.

Honrar o adulto interior. Creio piamente que um sujeito no limiar dos doze para os treze anos já tem em si uma série de competências próprias da maturidade. Não há por que olharmos para um moleque ou uma garota com seus treze ou quatorze anos nas costas e achar que são uns bebês. Se eles se comportam como se fossem, é porque os tratamos como bebês.

A fase da vida que vai dos treze aos dezoito anos é própria para uma série de ajustes biográficos. Não há motivo para esperarmos que o adolescente tenha lesões afetivas, intelectuais e espirituais para, posteriormente, por volta dos seus vinte e cinco anos de idade, ser alguém cacarecado, se podemos evitá-las desde agora. 

A idéia da “adolescência”, desse período que vai dos treze aos dezoito anos, é uma coisa muito recente na história da humanidade; é uma invenção que entrou no Ocidente a partir do século XIX. Até então, existiam apenas duas categorias de gente: crianças e adultos. 

Essa faixa elástica de transição, a que damos o nome “adolescência” (e que tem ido, hoje em dia, até os quarenta e cinco anos de idade, com uma quantidade enorme de adultos-jovens nesse estado), é não só um absurdo, mas um indício de que a adolescência não é apenas um fenômeno de adaptação cerebral.

Sei que muitos professores, pedagogos, pais e até médicos têm a crença de que o cérebro do adolescente está passando por mudanças e transições e, por isso, o adolescente teria o salvo-conduto para tornar-se mais explosivo, irritado e nervoso. Não há, porém, nenhum estudo científico que aponte para essa direção. A partir dos treze anos de idade, a cabeça do sujeito já está, mais ou menos, bem formada.

Esse é já um primeiro dado, e nisso os antigos acertavam: os ritos de iniciação da vida adulta, desde as tribos mais primitivas até tradições robustas como a do judaísmo, davam-se por volta dos doze ou treze anos de vida do menino. Ou seja, o sujeito que completava essa idade já entrava no círculo dos adultos – e isso acontecia porque ele já tinha, a essa altura, capacidade psicofísica para assumir e viver as responsabilidades do mundo adulto. Eis o que acredito como possibilidade para todo adolescente: que todos eles têm o adulto interior pedindo para aparecer e florescer. 

Todos os movimentos de rebeldia e irritabilidade que afetam os nossos adolescentes advêm da infantilização ostensiva e profunda deles, do tirar-lhes responsabilidades, e de uma síntese confusa sobre a natureza do trabalho. Essa síntese confusa consiste no seguinte: trabalho infantil é bom? Muitas pessoas responderão: “Obviamente que não, Italo. Está doido? É terrível saber que existem aquelas criancinhas no canavial, precisando colher e cortar cana para sustentar a família, ou aquelas que ficam no sinal pedindo dinheiro, exploradas por pai e mãe”. Mas isso não é uma descrição da realidade do trabalho, e sim da escravidão

Por outro lado, uma criança ou um jovem com responsabilidades (leia-se, com alguma atividade laborativa) pode ter resultados magnificamente positivos em seu desenvolvimento. Isso sempre foi assim. Dar responsabilidades de vida adulta para uma pessoa de treze, quatorze, quinze, dezesseis anos é fundamental para o amadurecimento dela.

Os próprios adolescentes, em regra, se sentem infantilizados e ridicularizados, quando postos de canto na dinâmica da sua família. Fica evidente que ninguém os leva muito a sério e que não servem para nada – daí que seja óbvio e inevitável que todos fiquem neuróticos. 

A maioria dos adolescentes sente-se idiotizada. Os grupos de oração de igreja são uma tragédia, nesse sentido, assim como a euforia de eventos como a Jornada Mundial da Juventude. Os líderes de jovens, nas igrejas, usam boné para trás e tratam os adolescentes do grupo feito uma cambada de retardados, que só querem saber de namorar e dar beijo na boca. Assim, não há espaço para uma intenção educativa de amadurecimento espiritual. Tratando os adolescentes como adultos, como fiz durante muitos anos no meu consultório, eles melhoram. No caso do grupo de oração, por exemplo, em vez de ficar tocando violão em rodinha, coloquem os moleques para dar comida para mendigo, para fazer macarrão com salsicha para alimentar mendigo. E não é para eles pegarem o macarrão e a salsicha da despensa da casa mãe, não: eles é que vão arranjar o dinheiro necessário para comprar a comida, reunir-se para prepará-la, colocá-la na “quentinha” e ir para a rua alimentar os mendigos.

Ao fazer isso, esses moleques entram na vida adulta, e entram na vida adulta porque passam a ser pessoas com quem se pode contar – os próprios adolescentes notam fazer parte de uma engrenagem importante de compromisso. Por outro lado, privá-los dessas oportunidades é causa de vários malefícios e tragédias. A terceira maior causa de morte de jovens e adolescentes, no Brasil, é o suicídio. O suicídio é uma epidemia. Com a graça de Deus, a maior parte dos jovens não chegará a cometê-lo.

Quando tiramos a responsabilidade e o compromisso de um ser humano que já não é mais uma criança, como é o caso dos adolescentes, esvaziamos a sua vida. Com os adultos acontece a mesma coisa, naqueles momentos em que eles olham para si mesmos e percebem que não servem para nada, que ninguém conta com eles, que estão fazendo um monte de besteira, que não estão sendo fiéis ao trabalho, à religião, ao cônjuge. A partir disso, aparece no peito um buraco do tamanho do mundo. 

Em decorrência desse buraco, quarenta e nove por cento dos adolescentes relata ter ansiedade ou depressão, ou abusar de substâncias, como o álcool e a maconha. É possível tapar o buraco com responsabilidade e outras coisas que prestam, mas acabam tapando com quinquilharias do mundo, com músicas imbecis, com TikTok

Essa transição daquilo que a pessoa já não é mais para aquilo que ela não é ainda (já não é criança, mas não é ainda adulto) deve ser abreviada o mais rápido possível, a fim de evitar os sofrimentos, os desesperos, os quarenta e nove por cento de adolescentes ansiosos, deprimidos e dependentes químicos. 

O SENTIMENTO FUNDAMENTAL DE VERGONHA

Lembro-me de ter conhecido uma pessoa muito importante na minha vida quando eu tinha uns dezessete anos. E, precisamente por tê-la conhecido, me apareceu uma sensação de vergonha que foi fundamental para mim. 

Era um sujeito – Augusto Zilbernstein era o nome dele, vulgo Guto – não muito mais velho do que eu, que me foi apresentado no período em que eu estava no início da graduação. Ele estava fazendo mestrado na Copenhague.

Lembro-me que o Guto (que sempre acreditou e confiou em mim) chamou-me para ser seu padrinho de mestrado, numa escola de negócios. Foi um ato generoso cujo fim foi me trazer para o mundo dos adultos.

O Guto me ligava às oito horas da manhã, e eu ainda dormindo. Aquilo foi me dando vergonha, porque ele me ligava cedinho para fazer algo que prestasse, ao passo que eu gastava o tempo com meu soninho, com nada. Essa era a razão de eu ter um vazio dentro do peito, um incômodo de nunca estar bem adaptado em lugar nenhum. Eu não servia para nada.

Hoje, sei que sou o Guto de muita gente. Apareço dizendo: “Trabalhe, sirva, seja forte e não encha o saco”, dando a esses jovens uma régua para medirem os seus atos. O efeito disso, nas pessoas de treze a dezoito anos, é milhares delas me acompanhando, compromissadas em matar a maldita história da “criança interior” e fazer amadurecer o adulto interior que nelas já habita.

Uma criança só serve para ser amada e para obedecer. Ela precisa pedir permissão para ir ao banheiro, dorme à tarde porque a mãe manda, não escolhe o que vai comer, e assim por diante. Por que alguém iria querer ser uma criança? 

Às favas com essa conversa de criança interior! O que a pessoa precisa fazer é cultivar o adulto interior, que decide, define, se compromete, ama e serve. É só então que a história real começa. 

Então, o Guto, quando me ligava em casa às oito horas da manhã, despertando-me do sono da bela adormecida dos finais de semana, relembrava-me a consistência mole, de chocolate, que eu cultivava, e fazia-me pensar que, se eu continuasse daquela forma, não viria a servir para nada na vida, viria a ser infeliz, com uma vida de sofrimento e ansiedade. 

Espero que você sinta a mesma vergonha que eu sentia, quando isso acontecia. Não importa se você tem vinte e cinco, trinta ou quarenta anos. O importante é você se fazer a pergunta: “O que estou ‘comendo’ no meu dia a dia?”. O que você está pondo para dentro? Tempo desperdiçado com sono, com nada? Tempo desperdiçado com músicas que não servem para nada?

“Italo, gasto quatro horas do meu dia ouvindo música”, “gasto cinco horas do meu dia jogando joguinho no computador”, “gasto cinco horas do meu dia rolando o feed do Instagram e fazendo dancinha no TikTok.”

A quem me diz uma coisa dessas, eu respondo: você está apenas comendo sorvete e chocolate biográficos. O que acontecerá com a sua vida? O que já está acontecendo com a sua vida? 

O primeiro compromisso que você irá fazer é então mapear o seu cardápio, delineando quantas horas do seu dia você gasta com coisas que não irão construir uma biografia robusta. Não quero gente que construa a sua biografia com chocolatinho biográfico. Quero que você olhe para isso e comece a perceber o quanto você tem desperdiçado a sua história. 

Você tem então de apontar para as coisas de cima, como, por exemplo, o comprometimento real com a vida. Isso já vale para o sujeito que tem treze anos. A partir dos treze anos, já se tem o dever de comportar-se e ser tratado como um adulto – leia bem: tem o dever, não o direito. E a primeira coisa que faz um adulto de verdade é pôr a própria vida à disposição das outras pessoas. É isso que quero para você.

Não é necessário ir muito longe para colocar isso em prática. Olhe para a sua casa, que nela você perceberá haver vários ambientes, como o do descanso, do conforto, da refeição e, escondidos, os do trabalho. 

Ambiente de trabalho, em casa, é o armário bagunçado, a cama por fazer, a pia cheia de louça; é o lixo prestes a fazer aniversário porque ninguém o tira etc. Esses são os primeiros ambientes de serviço e comprometimento da vida adulta.

“Italo, de verdade, de verdade? Por que motivo irei arrumar a cama, se ela vai bagunçar novamente? À noite, irei dormir e ela irá bagunçar de novo.”. Óbvio que vai bagunçar de novo; é assim que a vida funciona; trabalhar cansa. Todo o mundo sabe disso. Não se arruma a cama para que ela permaneça arrumada, seu mané; arruma-se a cama para você ganhar o hábito da arrumação e tornar-se uma pessoa comprometida, sólida e consistente.

“Italo, essa baguncinha do armário tem a minha cara; eu me encontro nessa bagunça”. Meu filho, o problema não é a bagunça, ninguém liga para ela. O problema não é a bagunça do armário, em si; o problema é a bagunça interior. Aliás, os velhos têm essa mesma coisa. Às vezes, a minha gaveta está uma bagunça, e chego a confessar: “Ih, rapaz, voltei aos treze, quatorze anos”. E então vou lá e arrumo, por questão de disciplina. Fazendo isso, com o tempo, você vai criando raízes dentro de si.

Essa é a disposição adequada. Fazendo isso por anos, você irá ficar forte e sair dessa casquinha frágil chamada egoísmo. O egoísmo é uma casquinha frágil, que esconde mas não protege. Não quero isso para você. Quero, pelo contrário, uma vida com consistência, ampla e magnânima. No entanto, sem uma clareza sobre as coisas que você está colocando para dentro de si, a sua vida será sempre essa confusão sem fim e a tragédia estará anunciada, esperando-o na próxima esquina, nos próximos anos ou meses. Essa tragédia tem nome: ansiedade, depressão, suicídio, vazio existencial, briga, confusão etc.

Isso não é o que quero para você, nem o que você mesmo quer para si. O que ambos queremos é uma felicidade pra fora, um motivo para acordar e sorrir para os outros, um amor a partir do qual você possa realmente entregar-se a alguém e possa também receber alguém. E é assim, honrando a cada dia o “adulto interior” que você chegará a ser um ser humano de verdade.

Este conteúdo é parte da série “Você será um homem, meu filho”, voltada para adolescentes e jovens. Para acessar o conteúdo na íntegra, com vídeos e materiais de apoio, assine o Guerrilha Way, o mais completo programa de desenvolvimento pessoal do Brasil: https://guerrilhaway.com.br/ 

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