POR QUE VOCÊ SOFRE DE SOLIDÃO

A solidão é um tema que sequer aparece em toda a vastidão da obra de alguns filósofos importantes, filósofos com uma obra extensa. É notável que isso aconteça, e esse fato mesmo já nos diz algo a respeito do modo mais apropriado de tratar certas questões: às vezes, o silêncio é a melhor abordagem. 

O fato é que a todo momento me pedem para falar sobre esse assunto, e eu também demorei a abordá-lo, mas chegou a hora. Vamos falar, ainda que de modo bastante breve, sobre a solidão.

A primeira coisa em que podemos pensar são certos modelos de vida que funcionam melhor na solidão, quando o sujeito está sozinho e não há ninguém perturbando. É o caso, por exemplo, dos que se dedicam à vida intelectual, ou alguns modelos de vida religiosa, que se perfazem na solidão. Essa pessoa jamais reclamará de solidão; pelo contrário, o sujeito que tem uma aptidão intelectual preza esses momentos. 

A solidão, em si, talvez não seja um problema. Qual seria o problema dessa tal solidão, que tantas vezes afeta, amedronta e entristece as pessoas? 

De fato, existem solidões dramáticas, sobretudo aquelas que implicam a negligência de necessidades físicas triviais. Não estou falando desse tipo de solidão, mas da solidão do sujeito saudável e normal, que fica reclamando que está sozinho. Do que será que ele está reclamando de verdade?

O PERFIL DE QUEM RECLAMA DE SOLIDÃO

Em regra, o sujeito que está reclamando de solidão é extremamente egoísta. A maior parte das pessoas que está reclamando de solidão só está olhando para o seu próprio umbigo, só quer que os seus programas sejam executados, que as suas ideias estejam na roda; é uma pessoa que não tem certa flexibilidade biográfica para poder ceder nas suas ideias. No fundo, ela não está reclamando de solidão, mas de que o mundo não a aceita do jeitinho que ela é.

Há uma verdade fundamental que ninguém deveria esquecer: o olhar do outro sobre mim me determina, e deve me determinar. 

Quem quer que bata no peito e diga: “Eu sou eu, independentemente do que o outro está achando de mim”, ou “Não dou a mínima para as expectativas dos outros” — quem quer que diga isso ainda não entrou de fato na maturidade, não entendeu o que é a vida humana.

Uma grande função da maturidade humana é ser mais você quando atende à expectativa do outro. Pense nisso. O que estou dizendo vai no sentido oposto de tudo o que costumamos ouvir: quando você é um sujeito maduro, você é mais você quando atende à expectativa do outro.

Isso não é o Dr. Italo falando sozinho; existe toda uma linha psicológica que trata justamente dessa relação do indivíduo com a comunidade. Praticamente toda a teoria de Alfred Adler é isso, a psicologia da comunidade. Segundo ela, o sujeito se torna mais ele quando se põe diante da sua comunidade, diante do marido, diante dos filhos, isto é, ele se torna mais ele na medida em que serve e cumpre o seu dever. Isso abre um grande panorama para nós. 

Alguém poderia objetar: “Mas eu não estaria me anulando quando abandono certos planos e projetos por causa de uma outra pessoa?”. Essa é a idéia que anda na cabeça de todo mundo. “Ah, se eu fizer isso o tempo todo, vou me anular”. 

Eu vou dizer o que isso vai anular: vai anular o seu defeito, vai anular aquele amor próprio desordenado, vai anular aquela soberba enorme de achar que todo mundo tem de servi-lo o tempo todo. Isso tudo com certeza vai ser anulado. Pare para imaginar uma vida assim, que maravilha ela é.

Uma pessoa que rejeita esse fato ainda é imatura. Simples assim. Não há problema nenhum, todos têm direito de ser imaturos. O que ninguém tem é o direito de querer continuar sendo imaturo. 

Então quer dizer que a psicologia da comunidade é superior à psicologia do indivíduo, que só fala dos movimentos interiores? É evidente que sim. É uma grande idiotice achar que atender à demanda do seu marido, da sua esposa, dos seus filhos, tornará você uma pessoa inferior. Na verdade, você está exercendo uma função superior do espírito. Que função é essa? É a função de quem é útil e sabe fazer as coisas no mundo. E, justamente porque é útil e sabe fazer as coisas no mundo, o outro olha para você e espera algo. E esse esperar encontra justamente a entrega. É algo belíssimo.

Imaginem vocês a seguinte cena: um médico com fome indo jantar, quando aparece um pai de família esfaqueado, com a barriga aberta. É óbvio que esse médico vai botar sua fomezinha no bolso, pegar esse pai de família e sair correndo para o centro cirúrgico. Não é exatamente isso que você espera do médico-cirurgião? Quem não concordaria com isso? Quem, em sã consciência, diria: “Não, o desejo de se alimentar é superior, porque é pessoal, é dele.”? Uma idéia de jerico, obviamente. 

Mas por que, nesse exemplo, fica claro que é isso que o médico tem de fazer? Porque ele é médico? Não. É porque esse sujeito tem uma série de expertises e sabe fazer algo que ninguém mais sabe, e aquela pequena comunidade – mãe, filha e pai de família esfaqueado – depende do saber daquele médico. Então ele vai colocar a fome, o desejo interior dele, no bolso, e vai se determinar pela expectativa do outro. Não é óbvio que é isso que você espera de um médico nessa situação? Todo mundo espera isso, pois estamos diante de alguém maduro. 

Então, por que diabos nos permitimos não ser maduros quando existe uma expectativa da comunidade, uma expectativa do outro? Uma pessoa que viva com essas idéias na cabeça jamais irá amadurecer, porque vai abrir mão de ser útil no mundo. 

Em geral, esses movimentos de solidão aparecem porque o sujeito está acostumado a uma vida vazia, de não serviço, de não utilidade; a uma vida que não se determina pelo olhar do outro. Essa dor de solidão é uma dor de quarta camada. O sujeito que não está mais na quarta camada não sente dor quando está sozinho; pelo contrário, ele aproveita esses momentos de solidão, os momentos de viagem, ou quando as pessoas não estão em casa, para descansar, para estudar alguma coisa, para aprender alguma coisa. Assim, como é que a solidão vai doer? Não dói.

A solidão do homem maduro não dói desse jeito. A questão sequer aparece. Quando alguém reclama que a solidão está doendo, é porque existe ainda um lugar de imaturidade muito profunda. A pessoa precisa ser capaz de olhar para si e declarar o seguinte: “É justamente esse pensamento de autossuficiência afetiva que está me levando a sentir essa dor, porque o outro não está me validando”. É isso.

A MARAVILHA DE DETERMINAR-SE PELA EXPECTATIVA DO OUTRO

Quando o sujeito está acostumado a ser determinado pela expectativa do outro, ele está na vida. A sua motivação na vida é dar conta de atender à expectativa do outro, porque ele sabe fazer algo que só ele pode fazer, como no exemplo do médico. Ora, se o médico não botar a fome no bolso e for ao centro cirúrgico abordar aquele abdômen eviscerado, quem irá? Você acha que o médico, ao sair das 4 horas de cirurgia, não sai mais ele? Cansado, com fome, talvez até um pouco puto, mas íntegro. Esse é o tesão da vida: recolher algumas faculdades, potências e expertises e atender ao outro.

Se você é mãe de família, que cuide da casa; se é pai de família, que honre seus filhos; se é médico, que alivie o sofrimento dos outros; se é comerciante, que gere lucro para sua empresa e seja digno com seus funcionários. Que mais você quer? O tempo de jogar confete no ego acabou. Isso é coisa de gente imatura. Se você tem mais de 12 anos, não dá mais para ser imaturo.

O MEDO DE PARECER INFERIOR

Neste mundo, companhia é serviço. É você que deve fazer companhia aos outros. Ninguém te deve nada, nem mesmo companhia. Saber disso é libertador: a companhia neste mundo é você quem dá aos outros.

Portanto, tenha uma função no mundo, sirva, seja útil e saiba que ninguém lhe deve nada. Fazendo isso, você sairá da quarta camada, e essa dor de solidão não aparecerá mais. 

Tente outro caminho: se conseguir, me conte. Não há outro caminho. Então, aproveite os momentos de solidão para descansar, recuperar as baterias, ler algo que tinha de ser lido, aprender algo que tinha de ter aprendido. Assim você volta mais forte, para servir mais, para ser mais útil, para estar diante da sua comunidade exercendo uma função. A vida então começa a ter sentido. Até esse momento, você é uma criancinha. 

O complexo central para Alfred Adler não é o complexo de Édipo, como era para Freud. Ele diz que há um complexo de inferioridade que nos puxa para baixo. Simplificando, o medo de ser inferior é o que nos trava. “Ah, mas se eu servir o meu marido, se servir o meu filhinho, se servir o meu patrão, vou me anular, vou ficar inferior”. Ora, é contra esse complexo que você tem de lutar, e isso só se vence com o serviço. Não é paradoxo; é a realidade da vida. Faça isso, para ver o que acontece. Sirva um café para a sua secretária, sirva um café para o seu chefe. Você vai se tornar inferior por isso? É o inverso! É o serviço que o tira desse lugar inferior, que dá sentido à sua vida. Que dificuldade é essa? É medo; é o complexo de inferioridade puxando para baixo.

A INFERIORIDADE É REAL

Minha função aqui é dizer as coisas como são: o que você tem não é complexo de inferioridade; é inferioridade mesmo. Você é inferior. Quando você não serve e é narcisista, você é inferior. Você é inferior quando não sabe fazer nada e não serve para nada. É o que todo mundo me pergunta: “Como é que aumento minha auto estima?” Sendo estimável! Como quer que alguém o estime, o ame, se você não é amável? Não é complexo de inferioridade; é inferioridade real. 

Todo mundo sabe disso desde que o mundo é mundo, mas as pessoas se esquecem dessas coisas. É o que sempre ouvimos: “Aquele que serve é o maior”; “os últimos serão os primeiros”. Não estou trazendo aqui nenhuma novidade. Não temos novidade, mas um esquecimento vital. Isso é tão velho quanto o mundo; é uma tecnologia de 2000 anos. Mas se nos esquecemos disso, aparece esse papinho de solidão, começa essa neurose coletiva, essa histeria coletiva. O que estou falando é óbvio: quando você aparece numa comunidade e a serve, você é mais você, e não menos você. Essa verdade é tão velha quanto andar para frente.

Esse medo de se anular ao servir é um medo enxertado, porque a realidade jamais demonstrou isso. Só pode servir quem é forte, uma vez que quem serve é aquele que sabe fazer, que tem o preparo, que tem a prática. Então é claro que não vai aparecer fraqueza; só aparece força. 

O complexo de inferioridade do Adler só se vence à custa de serviço. Companhia, neste mundo, é companhia de quem serve – o sujeito que serve está sempre acompanhado e nunca tem solidão. O sujeito que está sentado na poltrona, ‘com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar’, esperando que todos o sirvam, este sim está sozinho. Ele é inútil, porque não serve.

Quando falo em servir, não estou falando de grandes voos, não estou falando de pegar um avião e ir para a África, ou recolher centenas de milhares de reais e montar uma campanha para ajudar o pessoal da cidade mineira que está soterrada. Se você pode fazer isso, faça. Se não pode, porque sua função social não lhe permite nada, saiba que o serviço está aberto a todos, desde o mendigo da rua até o imperador do mundo. Todos têm de servir. Esse é o único caminho para a felicidade e para a companhia nesse mundo. Só assim você dá adeus à solidão.

Portanto, você que está se sentindo sozinho há algum tempo, reconheça com sinceridade: você é meio inútil, não serve para grande coisa. E, quando você faz alguma coisa pelo outro, espera que ele jogue confete em você. É ou não é assim? Quer que a solidão vá embora? Esqueça de si mesmo. A expectativa do outro tem de nos determinar. Se a expectativa do outro ainda não me determina, ainda não alcancei a estatura da maturidade da vida humana. 

Ortega y Gasset afirmou: “Eu sou eu e minhas circunstâncias”. Parte das circunstâncias é a expectativa do outro, da comunidade. Eu sou também aquilo que a comunidade espera de mim; do contrário, eu não sou eu, sou ainda um bobão, sou feito de geléia. Que triste uma vida assim, vazia e instável, com picos de euforia e vales de tristeza. O que estabiliza isso? O serviço, ser  alguém que atende a expectativa da comunidade, da mulher, do filho, da noiva. Que beleza uma vida digna, uma vida útil, cheia de sentido, maravilhosa, determinada pela expectativa do outro. Não fuja disso. 

Complexo de inferioridade e inferioridade real só se vencem por meio do serviço. Sentimento de solidão, também.

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