CONTRA O ISOLAMENTO E A COISIFICAÇÃO: OLHE NOS OLHOS!
Eu não peço licença ao controle do ar condicionado para usá-lo e diminuir a temperatura do meu quarto. Tampouco me desculpo com meu carro por fazê-lo enfrentar uma tempestade só porque tenho um compromisso marcado. Eu seria um sujeito bem esquisitinho se fizesse isso.
O máximo de respeito que devemos às coisas é usá-las do seu melhor modo, é cuidar para que possam nos servir cada uma dentro do seu propósito. Então, vou abastecer o automóvel com um combustível de qualidade, ficar sempre de olho na manutenção dele, deixá-lo limpo na medida do possível, essas coisas.
Bem diferente é nosso relacionamento com pessoas. Pelo menos, deveria ser diferente.
Hoje em dia, porque estamos rodeados de produtos e utensílios, muita gente não percebe que as pessoas com as quais se relaciona não são um deles, ou seja, não fazem parte do conjunto das coisas. Ao tratar seu semelhante como coisa, o que acaba acontecendo é que você perde a vontade de se relacionar com ele. Isso porque, com muita frequência, a outra pessoa não vai agir do jeito que você quer.
No fundo disso está o fato de o ser humano ser muito mais do que uma mera presença material. Nem mesmo as coisas são puros objetos materiais, imagina uma pessoa. Se você lida com o outro como se ele fosse uma coisa, você perde uma dimensão da realidade, uma dimensão que transcende muitíssimo a materialidade do mundo. Por consequência, vai começar a olhar cada vez menos no olho das pessoas e vai se fechar em si, numa vida solitária e egoísta.
JANELA DA ALMA?
Uma das experiências mais marcantes e transformadoras da existência humana é contemplar o olhar de alguém. A qualidade de um relacionamento, seja amoroso, familiar ou de amizade, é muito diferente quando as pessoas se olham nos olhos. Todo mundo sente algo diferente dentro de si ao cruzar o olhar com outra pessoa.
Há uma grande verdade em dizer que o olho é a janela da alma. É só pensar no que é uma janela: aquilo que faz com que enxerguemos para além, sem nos deixar circunscritos ao meio ambiente imediato. Se olho para fora de casa por meio de uma janela, vejo algo que está para lá da presença maciça da minha sala. Eu vejo além.
Ao olhar no olho de alguém, é impossível não ser convocada dentro de nós a impressão de que há algo mais. Torna-se perceptível que a pessoa não se resume ao corpo, que há uma vida dentro dela, uma vida que se comunica com o mundo externo por meio do olhar.
Quando olho no olho de uma pessoa que amo, ou que quero que me ame, começo a me perguntar se também sou amado, se as nossas dimensões mais profundas se conversam e misturam. Mesmo em relações mais práticas, como as comerciais, o olhar estabelece uma conexão diferente. Existe toda uma expectativa de aceitação, de medo, de frustração. Mas é justamente essa massa meio sem nome que nos dá a dimensão de vida verdadeira. A vida humana é tudo isso e muito mais, e o olhar é a abertura que nos faz enxergar as outras dimensões da existência do outro.
VOCÊ VÊ O OUTRO COMO AGENTE
Encarar o olho das pessoas esmaga a visão materialista do mundo. Manter esse hábito nos torna incapazes de tratar os outros como coisa. Isso porque notamos que há, do outro lado, para dentro ou para cima, uma dimensão virtual de desejo, expectativa, inclinação, tudo demonstrando a maravilha da natureza humana.
O ser humano não está passivamente no mundo, ele é um eu agente. É justamente na articulação entre ele e o mundo que a biografia dele vai se desenvolvendo. Ali ele vai sendo, vai se fazendo. Isto é, eu me faço comigo, com as coisas, com o mundo e com as outras pessoas.
Se conseguimos olhar para as pessoas com a dimensão profunda de que elas não estão ali como uma peça num jogo de xadrez, que movo segundo a minha estratégia, enxergamos nelas aquilo que de fato são: seres agentes com uma dimensão profunda. É na articulação entre a minha história e a história delas que a vida humana vai se desenvolvendo, com o grande cenário de coisas que estão ao nosso redor.
Você já olhou no olho de um cão para ver a diferença? Por mais que ame seu pet, você tem de admitir que o olhar dele não comunica nada parecido a que o olho de uma pessoa transmite. A expressividade de um cachorro está mais num pulo ou num abano de rabo do que no olhar. Um cachorro dificilmente nos surpreende. Nós meio que sabemos como um cachorro funciona e antecipamos o que vai acontecer.
Se você tem dúvida, pense num peixe ou num tatu-bola. São olhares sem interioridade. Um peixe jamais surpreende. Ele fica vagando pelo aquário para sempre. Se alguém joga comida, ele sobe, se não, continua girando. Embora possua olhos, não há uma dimensão profunda como a do ser humano.
UM ENCONTRO QUE CURA
Esse é um exercício diário, e você precisa praticá-lo realmente todo dia. Quando olhamos nos olhos das pessoas, paramos de achar que elas são coisas, e o mundo fica muito mais interessante e colorido: nunca nos sentimos sós.
Uma sensação esquisita aparece no nosso peito junto com essa percepção estranha e injustificada de que estamos sozinhos no mundo. Somos atacados por uma desesperança profunda. Tudo porque não acessamos as dimensões interiores das pessoas olhando nos seus olhos.
Nada no ser humano é mais expressivo do que os olhos. É neles que encontramos a maior concentração de pessoalidade. Isso não acontece com os cotovelos ou dedos do pé. Não dá para reconhecer uma pessoa por meio do cotovelo dela. Não há individualidade nenhuma num cotovelo. Isso jamais é verdade para os olhos. O fato inescapável é que os olhos são um tipo de coração, um tipo de centro. Quem os acessa, acessa o que a pessoa tem de mais dela.
Olhar no olho é um elemento de cura. Você é chamado a viver a relação verdadeira, e não só algo mental que você criou, algo que, no fim das contas, vai enterrá-lo em solidão.
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