AMIZADES DE INFÂNCIA SÓ CABEM NUMA VIDA INÚTIL

“Tudo era mais verdadeiro e puro”, dizem os apegados às memórias da infância. 

Dentre as coisas que sentem falta, estão as amizades das primeiras turmas da escola, dos vizinhos que brincavam de polícia e ladrão na rua, dos amigos que seguiram juntos até o ensino médio etc. Alguns até se esforçam para manter a relação de amizade e promovem reencontros para relembrar os grandes acontecimentos da juventude: as peças que pregavam nos professores, os trabalhos que apresentavam juntos, os namoricos, entre outras coisas. 

Acontece que uma criança não tem ainda um conjunto próprio de crenças, não tem suas vontades definidas nem a capacidade de se entregar e se doar do ponto de vista mais genuíno e profundo que um adulto tem. Sendo assim, por que diabos você deveria tomar como exemplo de grandes amizades aquelas que se formaram num período em que nada era seu, em que você ainda estava em formação?

AMIZADE VERDADEIRA E SIMULACRO IMATURO

Eu nunca fui a uma festa de turma do colégio ou da faculdade. É inútil ficar relembrando, por mero entretenimento, episódios juvenis como a ida à diretoria, a briga na saída da escola, a chopada do centro acadêmico. O apego a memórias que evocam um afeto infantil, e que não têm a capacidade de construir coisa alguma na vida adulta, apenas revela uma vontade de permanecer preso ao momento da vida no qual você, não servindo para nada, era apenas um merdinha – porque isso era tudo o que você poderia ser aos 15 anos.

Isso não só é ridículo, mas também destrutivo. Não é só uma perda de tempo, é algo que vai enfraquecê-lo, porque junto com as memórias inúteis dessa época podem ressurgir alguns desejos fúteis, e logo você se pega pensando em reviver os tempos áureos da juventude: da fase boa em que você podia se embriagar como se não houvesse amanhã e viajar para o litoral sem precisar prestar contas a ninguém.

TORNE-SE GENTE GRANDE

O mais normal é que um homem e uma mulher adultos não tenham amigos de infância. Se tiverem, que não seja pelo apego às memórias infantis e sim pelo reconhecimento recíproco de duas vidas que caminharam para o mesmo lugar e formaram o mesmo conjunto de valores. Se os únicos amigos que você tem são os de infância, há uma coisa muito errada com a sua vida, você está preso a memórias inúteis de um tempo em que você era inútil, e provavelmente você tem o desejo de continuar assim inútil.

A infância é um tempo no qual não se tem autodeterminação nenhuma; se sentisse vontade de ir ao banheiro na hora da aula, você tinha de pedir permissão. Não dá para ter saudade disso. A melhor postura que você pode ter para com a infância é olhar para aquele tempo e reconhecer que você era um imprestável, um peso para todo mundo, alguém que não sabia amarrar o sapato sozinho, cheio de insuficiências e incapacidades próprias da idade.

“Tenho saudade da infância por causa das brincadeiras e da vida simples”, já me disse alguém, sem parecer dar-se conta da imoralidade que proferia. Ora, a vida era simples para você, não para os seus pais. A vida dos meus filhos é simples porque durmo tarde e acordo cedo todo dia. Você tinha uma vida simples às custas de ser um peso para alguém. Quem pensa assim segue sendo um peso para os outros, agora, porém, sem o privilégio de ainda receber por isso uma apertadinha nas bochechas fofas.

Uma pessoa que tenha saudade da infância é imoral. Talvez isso nem seja seu, talvez você só esteja repetindo, sem refletir, uma coisa que escutou numa música aqui, numa novela ali, num adágio acolá, porque basta parar para pensar por um segundo para perceber a imoralidade dessa idéia.

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